Boas maneiras

O que é pior: ser infeliz ou estar convencido disso?

 Quando comecei a lecionar Yôga era muito jovem e o caldo de cultura onde o Yôga  fermentava era de pessoas espiritualistas, idosas e preconceituosas. Enquanto não  conquistei o reconhecimento fora do país e enquanto não fui à Índia durante mais de  20 anos consecutivos, a comunidade relutou em acatar a sistematização do SwáSthya  Yôga.

 Isso foi extremamente útil, pois descobri que quanto mais me pressionavam, mais força eclodia para reagir e mais realizações afloravam. Desfrutava até de um certo estimulo ao vencer os obstáculos que eram impostos pelos  instrutores de yóga mais velhos. Por outro lado, nos períodos em que estava tudo bem, acomodava-me. Se esse período de bonança se prolongava, sentia alguma nostalgia.

 Comecei a observar as outras pessoas e notei que a maioria reage da mesma forma. Então elaborei a teoria da SÍNDROME DA FELICIDADE, registrada em 1969, a qual contribuiu bastante para que pudesse ajudar aos demais em seus conflitos existenciais, conjugais, etc.

A teoria baseia-se no fato de que o ser humano é um animal em transição evolutiva, e que, nos seus milhões de anos de evolução, somente há uns míseros dez mil anos começou a construir a aquilo a que viria a ser civilização. E só nos últimos séculos sentiu o gosto amargo das restrições impostas com o tributo dessa aventura.

Como animais, temos nossos instintos de luta, os quais compreendem dispositivos de incentivo e recompensa pela sensação emocional e mesmo fisiológica de satisfação cada vez que vencemos, quer pela luta quer pela fuga (a fuga também é uma forma de vitória já que o animal conseguiu vencer na corrida ou na estratégia de fuga; e seu predador foi derrotado, uma vez que não conseguiu o alcançar).

Numa situação de perigo, o instinto ordena lutar ou fugir. Quando acatamos essa necessidade psico-orgânica, o resultado na maior parte das vezes, é a saúde e a satisfação que se instala no estágio posterior.

Se não é possível fugir nem lutar, desencadeiam-se estados de stress que conduzem a um leque de distúrbios fisiológicos diversos. Isto tudo já foi exaustivamente estudado em laboratório e divulgado noutras obras.

O que introduzimos na teoria SÍNDROME DA FELICIDADE é a descoberta de um fenômeno quase inverso ao que foi descrito e que os pesquisadores ainda não situaram a contento. Trata-se daquela circunstância duradoura na qual não há necessidade de lutar de fugir porque está tudo bem. Bem demais, por tempo demais.

Isso geralmente acontece com maior incidência nos paises de grande segurança social e, numa proporção assustadora, nas famílias mais abastadas.

O dispositivo de premiação com a sensação de vitória, sua conseqüente euforia e auto-valorização por ter vencido na luta ou na fuga, tal dispositivo em algumas pessoas não é acionado com a freqüência necessária. Como conseqüência o animal sente falta – afinal é um mecanismo que existe para ser usado, mas não o está sendo – e, então, ele cai em depressão.

Se quisermos considerar o lado fisiológico do fenômeno, podemos atribuir a depressão à falta de um hormônio, ainda não descoberto cientificamente que denominei endoestimulina, e que o organismo pára de segregar se não precisa lutar nem fugir por um período mais ou menos longo, variável de uma pessoa para outra.

O cachorro doméstico entra em depressão mas não sabe por quê. A dona do cãozinho também não sabe a causa da sua própria depressão, já que o processo é inconsciente, porém, seu cérebro, mais sofisticado do que o do cão, racionaliza, isto é, elabora uma justificativa e atribui sua profunda insatisfação a causas irrelevantes. Não adiantará satisfazer uma suposta carência, imaginariamente responsável pela insatisfação ou depressão: outra surgirá em seguida para lhe ocupar o lugar e permitir a continuidade da falsa justificativa. O exemplo acima poderia ser com pessoas de ambos os sexos e todas as idades, mas, para ocorrer, é preciso que a pessoa seja feliz.

Resumindo, quando o ser humano está tendo que lutar por alguma coisa, não há espaço em sua mente para se sentir infeliz. Se ele não poder lutar nem fugir, primeiro sobrevêm reações violentas; depois, a apatia e a somatização de várias doenças. Mas se tudo está bem, bem demais, por tempo demais, o individuo começa a sentir infelicidade por falta do estimulo de perigo-luta-e-recompensa. Como isso ocorre em nível do inconsciente, a pessoa tenta justificar sua infelicidade, atribuindo-a a coisas que não teriam o mínimo efeito depressivo em alguém que estivesse lutando contra a adversidade.

 Exemplos:

Na Escandinávia, onde a população conta com uma das melhores estruturas de conforto, paz social, segurança pessoal e estabilidade econômica, é onde se verifica um dos maiores índices de depressão e suicídio do mundo. Durante a guerra do Vietnam, onde as pessoas teriam boas razões para abdicar da vida, o índice de suicídios foi quase nulo.

Os paises mais civilizados, que não teriam motivos para passeatas e agitações populares, pois não há a reclamar dos seus governos, com alguma freqüência realizam as mesma passeatas, mas agora com outros pretextos, tais como a ecologia, o pacifismo ou a defesa dos direitos humanos na América do Sul.

O movimento em defesa dos direitos da mulher surgiu justamente no país onde as mulheres tinham mais direitos e eram mesmo mais poderosas que os homens: os Estados Unidos. Lá, onde tradicionalmente se reconhece a imagem de superioridade da esposa como o rolo de massa dando no marido que tenta se explicar, justo lá, foi onde as mulheres reclamaram contra sua falta de liberdade e de igualdade. Já na Itália, Espanha, Portugal, América Latina, Ásia, países muçulmanos e outros onde a mulher poderia ter motivos na época para reclamar, em nenhum deles ela se sentiu tão violentamente prejudicada nos seus direitos quanto nos Estados Unidos.
Assim, sempre que algum aluno ou aluna vinha chorar as mágoas, explicava-lhe nossa teoria da SÍNDROME DA FELICIDADE e concluía dizendo:

– Se você se sente infeliz sem razão, ou atribui a essas razões tão pequenas, talvez seja porque você é feliz demais e não está conseguindo metabolizar sua felicidade. Algo como indigestão por excesso de felicidade. Pense nisso e pare de reclamar da vida.                                                

Texto extraído do livro Tratado de Yôga, do Mestre DeRose

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